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Sinal de Gowers: os dois lados de uma mesma moeda

O sinal de Gowers é frequentemente observado em pessoas com fraqueza muscular na região do quadril e membros inferiores, por exemplo, pessoas com distrofias musculares, atrofia muscular espinal (AME), entre outras doenças. Essa pessoa realiza a ação de escalar o próprio corpo para transferir-se da postura de sentado no chão para em pé (sugiro ler o artigo da referência 1 para aprofundar sobre o assunto). Quando esse sinal é observado, é necessário encaminhar a pessoa para médica(o) neurologista ou neuromuscular para investigar a causa do sinal estar presente, e buscar o diagnóstico correto o mais precoce possível.

A maior parte das doenças neuromusculares são progressivas, em razão disso, existem diversos estudos relatando sobre o sinal de Gowers em diferentes doenças e como ele pode ir se modificando com a progressão dela1–3. As modificações são estratégias realizadas pelo corpo para superar a fraqueza muscular imposta pela doença, chamados frequentemente de movimentos compensatórios3.

A observação temporal e espacial desses movimentos pode gerar informações importantes para uma fisioterapeuta que acompanha pessoas com doenças neuromusculares. Cronometrar o tempo da transferência da postura de sentado para em pé, é uma forma de observação temporal. Essa medida pode ser realizada ao longo do tempo para identificar mudanças no padrão temporal, por exemplo, na primeira medida a pessoa realizou a transferência em 5 segundo, após 4 meses realizou 7 segundos, e na última medida realizou 14 segundos. Isso significa que essa pessoa está levando mais tempo para realizar a atividade e pode apresentar maior dificuldade na transferência. Essa informação é extremante importante para a tomada de decisão clínica, talvez, seja necessário realizar adaptações no ambiente e ficar atenta para os riscos de quedas. Ao observar o aumento do tempo de uma execução de uma tarefa também pode implicar na observação de mudanças espaciais, ou seja, surgimento de novos movimentos compensatórios ou os movimentos já existentes são realizados em maior amplitude (sugiro ler estudo 1 e 2 disponíveis na lista de referências). O aumento das compensações representa aumento da dificuldade para realizar a transferência. Acredito que até aqui já ficou claro para vocês sobre a importância de identificar, observar e acompanhar mudanças que ocorrem no sinal de Gowers.

No entanto, gostaria de trazer uma outra perspectiva, um outro lado da moeda. Compensar significa “tornar(-se) equilibrado”4 até aí sem problemas, mas também essa palavra pode significar “auxiliar um organismo na restauração de suas condições fisiológicas normais”4. A partir dessa definição começa nosso problema, o foco sempre na doença, na perda, na pessoa que precisa ser sempre consertada, isso significa que esse corpo nunca é visto como capaz de produzir algo para si e para o mundo. É visto como um corpo que precisa ser sempre consertado para seguir um padrão normativo. Por isso, minha sugestão aqui é utilizar o tempo adaptação: “processo pelo qual os indivíduos (ou as espécies) passam a possuir caracteres adequados para viver em determinado ambiente”4. Desta forma, é possível considerar que pessoas com doenças progressivas são capazes de criar estratégias habilidosas para superar a limitações impostas pela doença, esse corpo sempre visto como incapaz, é capaz!

Nos próximos posts vamos explorar e aprofundar melhor o termo adaptação a partir de referenciais teóricos do desenvolvimento motor.

Referências:

  1. Chang RF, Mubarak SJ. Pathomechanics of Gowers’ sign: a video analysis of a spectrum of Gowers’ maneuvers. Clin Orthop Relat Res. 2012;470:1987–91.
  2. Escorcio R, Caromano FA, Hukuda ME, Fernandes LA, Yoshimura F. Development of an evaluation scale for sitting and standing from the ground for children with Duchenne muscular dystrophy. J Mot Behav. 2011;43(1):31–6.
  3. Martini J, Voos MC, Hukuda ME, Resende MBD, Caromano FA. Compensatory movements during functional activities in ambulatory children with Duchenne muscular dystrophy. Arq Neuropsiquiatr. 2014;72(1):5–11.
  4. Trevisan R. Michaelis – Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa [Internet]. Trevisan R, editor. Editora Melhoramentos Ltda.; 2015. Available from: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/creditos/

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